Era só mais um dia comum para Luna, uma menina de rua de apenas 11 anos, acostumada a sobreviver entre os restos da cidade grande. Descalça, com roupas rasgadas e o estômago vazio, ela andava pelas ruas luxuosas de um bairro nobre, onde mansões escondiam vidas perfeitas — ou quase. O que Luna não esperava era que naquele dia, ao vasculhar o lixo de uma dessas casas, encontraria algo que não era comida, mas que alimentaria sua alma e mudaria completamente o destino de três pessoas.

Entre flores secas e caixas de papelão, Luna encontrou um caderno de capa azul. Limpinho, quase intacto. Na borda, o nome “Artur” estava rabiscado à mão. Curiosa, ela se sentou ali mesmo na calçada e começou a folheá-lo. As primeiras páginas tinham desenhos infantis: uma casa, um cachorro, um menino sorrindo. Mas à medida que avançava, o conteúdo mudava. Pequenas frases cortavam o coração: “Papai nunca tem tempo pra mim”, “Hoje minha mãe chorou sozinha”, “Será que alguém notaria se eu sumisse?”

Luna sentiu o coração apertar. Mesmo vivendo nas ruas, ela sabia reconhecer dor. E sabia o que era sentir-se invisível. Com o caderno nas mãos, ela tomou uma decisão corajosa: apertou a campainha da mansão. Um segurança atendeu com frieza. “Não tem criança aqui.” Mas Luna insistiu. “O nome do menino tá aqui ó, Artur.”

O portão se abriu. Na porta, surgiu Leonardo Ferraz — um milionário conhecido por seus negócios bem-sucedidos, mas completamente ausente na vida pessoal. Ele pegou o caderno sem dar muita atenção, mas ao abrir… congelou. As palavras, a caligrafia, os desenhos — tudo era do seu filho, Artur, desaparecido há dois anos. Até aquele momento, ele acreditava que o menino havia fugido ou, talvez, sofrido algo pior.

Ali, ajoelhado no chão da mansão, Leonardo chorou como nunca. A dor da ausência, agora carregada de culpa, vinha com força. E diante dele, estava Luna — suja, magra, com olhos cheios de compaixão — dizendo que queria apenas ajudar.

Leonardo a convidou para entrar. Luna, hesitante, aceitou. Recebeu leite quente e pão com manteiga, algo que não via há tempos. Enquanto isso, Leonardo buscava entender como aquele caderno havia parado no lixo. Teresa, a governanta da casa, reconheceu o objeto e ficou atônita: ele deveria estar guardado no quarto de Artur.

Naquela noite, Luna dormiu em um quarto limpo, com cobertores macios, mas em seu coração havia apenas um desejo: encontrar Artur.

Leonardo, emocionado, continuou lendo o caderno. Em uma das páginas, um desenho chamou sua atenção. Era Artur segurando a mão de uma menina desgrenhada com um sorriso tímido. “Papai, essa é minha amiga. Ela me ouve”, dizia a legenda. A menina do desenho parecia Luna.

Na manhã seguinte, Leonardo mostrou o desenho a ela. Luna confirmou: conheceu Artur pouco antes de ele desaparecer. Ele costumava fugir de casa às escondidas e conversar com ela na praça. Contava sobre a solidão, sobre os pais ausentes. E, um dia, desapareceu de vez — deixando o caderno para trás.

A partir dali, Leonardo começou uma busca incansável. Contratou um detetive e forneceu as informações que Luna lembrava. Enquanto isso, ela continuou vivendo com a família Ferraz — agora com cama, escola, roupas e, pela primeira vez, afeto.

Dias depois, veio a notícia: Artur estava vivo. Havia sido acolhido por uma senhora em um vilarejo afastado após sofrer um acidente e perder a memória. Só começou a se lembrar de quem era ao ver um segundo caderno — com desenhos de Luna. E quis voltar.

O reencontro entre pai e filho foi de cortar o fôlego. Leonardo ajoelhou-se diante do menino e pediu perdão. Artur, emocionado, correu para seus braços. Logo depois, reencontrou Luna. O silêncio virou abraço. O carinho era mútuo, sincero, puro.

Meses passaram. Artur voltou para casa. Luna, oficialmente adotada por Leonardo, passou a ser sua irmã. A menina de rua agora tinha um lar, um nome e um futuro.

O caderno azul foi emoldurado e colocado na sala principal da mansão como símbolo da dor, do reencontro e da esperança. Inspirado por essa história, Leonardo criou o projeto “Cadernos de Esperança”, que apoia crianças em situação de rua.

Luna cresceu. Estudou. Tornou-se escritora. Seu primeiro livro? A história real do caderno encontrado no lixo, da amizade improvável e do reencontro de um pai e um filho. No prefácio, ela escreveu:

“Eu achava que estava sozinha no mundo. Mas bastou um caderno sujo no lixo e um coração quebrado para tudo mudar. Às vezes, o amor também pode ser reciclado.”